Como fazer uma revisão bibliográfica? Esta pergunta estimulou uma conversa superinteressante na reunião de laboratório desta semana. Para que que serve uma revisão bibliográfica? Como começar e terminar uma revisão bibliográfica sem se perder no mar de referências? Como se manter atualizado na literatura? A seguir queria compartilhar com vocês algumas ideias e estratégias para revisão bibliográfica em pesquisa científica. Vamos lá! Para que serve uma revisão bibliográfica? A revisão bibliográfica é um dos primeiros passos de uma pesquisa científica. Ela começa com uma pergunta, por exemplo, o que determina a distribuição de plantas. Partindo de uma questão como essa, a pesquisa bibliográfica tem basicamente duas etapas. Na primeira, mapeamos o conhecimento. Ao final desta etapa, devemos ser capazes de responder o que já se sabe sobre o assunto a partir da organização sistemática do conhecimento existente. Esta primeira etapa é a pesquisa bibliográfica que estamos acostumados a fazer durante a nossa formação no ensino fundamental, médio e superior ou até no desempenho de atividades profissionais de caráter técnico. Quando fazemos ciência, no entanto, estamos operando no limite do conhecimento e sistematizar o conhecimento existente pode não ser o suficiente. A pesquisa científica emerge, quando o que sabemos coletivamente sobre um assunto não é suficiente para responder a nossa pergunta original ou alguma parte dela. Mapear essas lacunas, identificando tendências e vieses é o que distingue a pesquisa bibliográfica pura e simples de uma boa revisão bibliográfica. Nesta segunda fase da revisão bibliográfica, para além de mapear o conhecimento existente devemos ser capazes de identificar claramente as lacunas, eixos de pesquisa dominantes e perspectivas para desenvolvimento e aplicação deste conhecimento a partir do conjunto de obras e autores relacionados ao nosso assunto de pesquisa. Desta forma, a revisão bibliográfica nos permite (1) identificar o estado-da-arte (i.e., as produções que ilustram o que tem sido investigado, debatido e lacunas) e (2) a escolha de um referencial teórico (i.e., as teorias e conceitos que fornecerão base para a pesquisa) norteador a partir da organização sistemática do conhecimento existente e sua contextualização teórica e metodológica. Como começar uma revisão bibliográfica? Um biblioteconomista te diria para definir palavras-chave de maneira clara e bem delimitada e usá-las para pesquisar sobre o tema em bases de dados expressivas da área ou mais gerais (e.g., Web of Knowledge ou Google Schoolar). E esta é sem dúvidas a melhor maneira de revisar qualquer assunto de maneira sistemática. No entanto, até mesmo definir boas palavras-chave pode ser uma arte (e um desafio!) quando estamos começando a estudar um novo assunto. Nesse ponto que faz toda diferença o direcionamento dado pelo seu orientador, supervisor ou colega mais experiente no assunto que você. Um livro com os fundamentos sobre o assunto, um artigo científico recente ou clássico ou até mesmo nomes de pesquisadores que fazem ou fizerem pesquisa relevante na área podem acelerar a revisão bibliográfica e facilitar a identificação de referências e temas relevantes. Isso porque, essa informação preciosa e cuidadosamente curada por um especialista, pode não só te ajudar a definir melhor suas palavras-palavras-chave numa revisão sistemática como também ser um ponto de partida importante para encontrar novas referências relevantes. A prática de referência-cruzada onde examinamos os trabalhos citados dentro do trabalho que estamos lendo é a mais usada aqui. Ela pode ser feita manualmente, olhando a lista de referências no final dos artigos científicos, livros ou produção bibliográfica de grupos de pesquisa e pesquisadores ou usando ferramentas digitais. O ConnectedPapers é uma dessas ferramentas que eu acho super uteis porque oferece uma forma visual encontrar artigos científicos relacionados e suas relações, relacionando não só os artigos científicos citados em uma pesquisa, mas também os trabalhos que citam essa pesquisa no futuro. Para ter acesso à produção consolidada de pesquisadores e grupos de pesquisa temos também importantes fontes. Destaco três delas aqui. A mais completa na minha opinião é o GoogleSchoolar onde nas pesquisas por autor é possível listar em ordem cronológica ou de relevância (por citações) a produção da maioria dos pesquisadores. Redes sociais de pesquisadores como o ResearchGate são também boas ferramentas para ter acesso a produção de pesquisadores e grupos de pesquisa. Nela também podemos ter acesso a muitos dos artigos científicos completos mesmo quando estes não estão publicamente disponíveis, mas não são todos pesquisadores que usam essa rede social ou a mantem atualizada. Por fim, no Brasil temos o Currículo Lattes, que apesar de não seu uma base de dados bibliográfica, muitas vezes representa a listagem mais completa e atualizada da produção de pesquisadores brasileiros. Como manter o foco durante a revisão bibliográfica? Se você está aqui, provavelmente é porque gosta de ler e estudar. Sendo assim, a chance de se empolgar demais durante a revisão bibliográfica e perder o foco é grande. Quem nunca começou a pesquisar um assunto pela manhã e no fim da tarde estava estudando outra coisa totalmente diferente sem nem saber por onde tinha andado ou para onde o tempo tinha ido? Fazer revisão bibliográfica sem foco pode ser bom de vez em quando, mas pode trazer um tanto de frustração quando não vemos progresso. Duas estratégias podem ser uteis para manter o foco durante a revisão. A primeira delas é orientar a revisão bibliográfica em torno de perguntas claras e específicas como neste artigo. Usando essa estratégia, a cada nova fonte revisada você pode construir uma parte da resposta para a sua pergunta inicial ou gerar novas perguntas. A segunda estratégia é escrever (nem que seja uma única sentença) para cada nova fonte analisada. Para fazer isso, você pode se perguntar a cada referência o que você aprendeu com aquela referência. Cada referência contribui de uma maneira diferente para aquele universo do conhecimento que está pesquisando, seja com um método, uma prova de conceito, uma base de dados, uma teoria, algumas hipóteses, ilustração de uma lacuna etc. Documente suas leituras de maneira clara, escrevendo como esta referência apresenta, estende, modifica ou confirma algo que já sabíamos ou falha em fazê-lo a luz das suas perguntas. Assim, você mantém a atenção ao que motivou a revisão bibliográfica e evita a armadilha de fazer fichamentos descontextualizados de artigos ou pior ainda, nem os fazer e esquecer em algumas semanas ou meses tudo que revisou. Quando é hora de parar de fazer a revisão bibliográfica? Quando a pergunta que motivou a revisão tiver sido respondida. Daí a importância de ter suas perguntas bem definidas. O problema é que nem sempre é tão trivial assim. Primeiro porque conforme vamos avançando na nossa pesquisa, tendemos a encontrar cada vez menos informações novas e relevantes (lei dos retornos minguantes). No entanto, como ainda assim, dificilmente temos à mão todas as informações que gostaríamos de ter, acabamos seguindo revisando muitas fontes que pouco acrescentam na busca das (cada vez mais raras) novas informações. Diante disso, devemos observar algo que em pesquisa qualitativa é chamado de saturação teórica, ou seja, deixar de incluir novas fontes quando as informações obtidas passarem a apresentar, na sua avaliação, uma certa redundância ou repetição. Isso nos faz chegar no segundo ponto importante. Não dá para ler tudo! E mesmo se der, muito provavelmente não é necessário. O segredo da boa revisão bibliográfica, não está em ler tudo, mas em selecionar cuidadosamente o que você vai ler e como. O terceiro ponto importante, é que muitas vezes nos sentimos oprimidos pelo número de trabalhos publicados a cada dia e muitas vezes nos deparamos com o medo de perdemos alguma referência importante. Não tema! Pesquisa verdadeiramente inovadora é algo raro. A maioria dos trabalhos contribui de forma incremental e tudo bem se um ou outro acabar escapando ao seu radar. Vai ser um uso muito melhor do seu tempo se concentrar e aprofundar seu conhecimento nos trabalhos verdadeiramente influentes, que oferecem uma base sólida para entender o trabalho incremental que se segue. Como se manter atualizado na literatura? O conhecimento científico é vivo e está em constante expansão, revisão e atualização. Algo que era impossível de entender quando você começou a sua pesquisa pode de repente se tornar evidente à luz de novos métodos, evidências ou teorias. Sendo assim, é natural buscarmos maneiras de nos mantermos atualizados nos temas que pesquisamos. De novo, impossível ler todos os artigos publicados a cada dia. Alternativamente, uma boa estratégia é acompanhar algumas revistas científicas que publicam artigos científicos em áreas que você se interessa. Entre as minhas preferidas estão a Trends in Ecology and Evolution, Ecology Letters, Global Ecology and Biogeography, New Phytologist, Journal of Ecology e Global Change Biology para citar algumas. A cada edição você pode ler o índice da revista, identificando pelo título e autores os artigos de seu interesse para ler o abstract ou artigo completo em mais profundidade no futuro. Eu uso um aplicativo de listas (Todoist) para criar a minha lista de leituras a partir de e-mails que eu encaminho para mim mesma quando vejo um artigo que me interessa quando estou no computador ou celular. Agregadores de notícias (eu uso o Feedly) e redes sociais (e.g. Twitter, Instagram, ResearchGate) podem ser muito uteis também pra se manter atualizado nos artigos de áreas ou pesquisadores de interesse. E você, como faz revisão bibliográfica? Alguma dessas estratégias funciona ou já funcionou para você? Tem alguma dica para compartilhar? Conta! Vou adorar saber nos comentários abaixo :)
1 Comment
Sidney Pereira
7/12/2022 05:40:13 pm
Gostei muito da sua postagem, Thaise! Estarei pegando algumas das suas dicas para mim.
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AutORAThaise Emilio é um bióloga no meio acadêmicos. Ela escreve sobre ciência, vida acadêmica, mulheres e parentalidade na ciência. ARQUIVO
May 2022
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